(Ex-presidiário, condenado a mais de cem anos de prisão por assalto à mão armada e homicídio. Cumpriu 31 anos e 10 meses de prisão, aprendeu a ler e escrever na cadeia encontrou na literatura o refúgio para vencer as barreiras do cotidiano prisional, onde passou no vestibular de direito da PUC. Conquistou a liberdade a pouco mais de cinco anos, atualmente é escritor e já publicou três livros.)
Sujo de tristeza, aflito como os ratos, condenado ao negro e ao nunca mais, estranhou. Ele, pessoa que o mundo repelira e que as muralhas entrincheiraram, estava sendo procurado. Queriam conhecer do que se alimentava sua existência.
Como venceu a fome e o exílio? Superou a violência, sobreviveu aos cogumelos atômicos da dor e prolongou-se na vida? Qual o segredo do homem que, caçado nas ruas, teve seu sangue derramado nas calçadas e foi cercado de grades para sempre?
Porque a lua de lírios decepada, emoldura seu rosto e a morte o evita? O homem de lágrimas redondas segue seu caminho de ferro, esparramando-se em palavras escuras.
Vive em si. Imagino que deva ter um conjunto de engrenagens que faz seu tempo andar e um estoque de horas que aprendeu a valorizar.
Aprendeu a subverter. Viveu lutando contra a angústia que invadia suas noites, enquanto as paredes de sua cela, seu duro esconderijo, se encolhiam. Sofreu de um amor sem uso que pulsava, na atmosfera de chumbo que o cercava.
As dores, tão cruas e desnecessárias, o inundaram de compaixão. A agonia de cada dia o solidificou. De derrota em derrota, construiu a vitória de si mesmo. Lucidez era difícil. Não podia gritar o desespero de enxergar. Vivendo uma morte secreta, perdido a um sempre procurar, desceu a seu inferno pessoal para merecer o melhor de si.
Seu futuro vive embrenhado em mata indevassável. Olhos carregados de fantasmas, sentia que somente o imprevisível resgataria sua liberdade. Vive como que houvesse nascido na prisão e que morrer preso, seja parte de seu destino de pedra.
Despreocupem-se se ainda o temem, afirma. Esta salvo de seus demônios. Não ensinara o segredo. Continuara guardado, em gesto alto, porque ele mesmo não tem resposta. Apenas existe e resiste a cada dia, sobrevivendo a si mesmo.
Composto em 04\03\2004, um mês antes de conquistar a liberdade.
E-mail: lmendesjunior@gmail.com
Blog: www.trip.com.br/mundo livre
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