quarta-feira, 30 de setembro de 2009

DESABAFO por Luis Alberto Mendes

Escrevo sempre aquilo que deveria falar. Como um vulto, sigo desconhecido e irremediável. Nada me assusta, nem de repente. Tudo me parece feito para ser consumido e eu, estabanado como uma mãe aflita, espero. Espero como se estivesse esperando a vida, de banho tomado, para sair.
Tudo o que me ajudou a sobreviver foi indispensável. Sempre foi difícil traçar parâmetros do que seria indispensável e o que é supérfluo. Mesmo porque ter o que é dispensável me parece fundamental para uma existência para além da sobrevivência.
Nunca pude andar sobre as águas, mesmo porque nunca acreditei muito em quase nada. Nadei na terra sob a luz do sol a me derreter. Quis amar no prazo, mas sempre estive atrasado e nunca foi minha hora ou minha vez. Às vezes até gosto de minha imperfeição. Sei que desagrado, que sou injusto, que magôo e firo. Esse tem sido meu recheio, apesar de.
Reverencio o que é diferente, que arrisca, mesmo que doa ou mate. Morrer para mim não será algo assim tão surpreendente. Já morri de mil mortes estando vivo. A vida não foi assim tão boa para que eu lamente tanto morrer. Vivi a premência da morte por quase toda vida. Meus amigos e inimigos foram todos morrendo quase que rotineiramente. Raros foram os que sobreviveram ao desastre social que nos tornamos.
Já me entreguei à morte algumas vezes, pensando não haver mais saídas. É doce desistir, fechar os olhos e descansar. Não sei se por sorte, coisas aconteceram e sobrevivi. Não temo a morte. Temo sim a dor que me causará a morte. Mas dor é algo que já tenho intimidade e sei lidar, então acho que estou pronto, se for agora.
Caminhei sobre bases insólidas, meio perdido, sem nunca me achar. Embaixo da pele enxergo-me, mas não sei ver direito o que. Viver não aplaca minha sede, apenas aumenta minha voracidade. Quando longe, mais longe preciso ir. Morrer talvez seja a fronteira final.
Não, eu não temo o que possam me acontecer. A vida depois da morte não pode ser pior do que foi para mim a vida durante a vida. Ameaças jamais me intimidaram, antes causaram revolta e despertaram a fúria adormecida. Em minha audácia, vivo em grande intimidade com meus erros, sabendo que deles morrerei.

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