Futebol - Copa do Mundo
Entendo a paixão dos torcedores. Compreendo essa força viva que impulsiona pessoas. É um triunfo, uma vitória que se torna pessoal pela própria necessidade de ser.
Uma chama sempre a arder
Um golpe de asa
Um fio de paz
Ogivas de Sol
E uma alegria fresca
A soar como água corrente
Sobre chão de pedras...
A alegria é a força que responde a todos os apelos e necessidades humanas. É o coração da vida. A mais livre expressão do que somos de verdade. Aquela gostosa sensação de expansão como o mar a se esparramar sobre todas as coisas. E provocá-la, exaltá-la, é amar da forma mais direta possível. Futebol tem esse poder galvanizador.
Mas continuo a não gostar de futebol. Era o único esporte da prisão. Dia de jogos, a cadeia vinha abaixo. Era preciso lutar contra aquele tipo de alienação. Fazia parte de uma cultura que só servia aos que nos controlavam e mantinham naquela miséria pessoal e cultural. Era um anestésico embriagante: pessoas se esfaqueavam em discussões por causa de futebol.
A despeito das opiniões e leis em contrário, eu sempre tive em mente que alcançaria meus objetivos. A vontade sempre foi imperiosa para mim. E liberdade não era o único de meus ideais. Criar condições de conviver com todos normalmente aqui fora vinha junto. Então, a contracultura era a única alternativa possível. Não gostava e criticava pesadamente novela, futebol, samba, televisão, vadios, “nóias” e conversa fiada em torno de tais assuntos dominantes na prisão.
Preocupava-me em construir um futuro legítimo. Tinha filhos a criar e educar (mesmo preso jamais deixei que lhes faltasse o necessário). Vivi o tempo todo mergulhado em estudos, pesquisas, livros, informações sobre o mundo e absorvendo conhecimentos como uma esponja. Sempre trabalhei na prisão. Trabalho tinha a ver com conquista de espaços e sustento de meu povo. Não sei julgar se errei. Pelo menos não vejo nenhum dos apaixonados pelo futebol que conheci na prisão, no cenário nacional fazendo alguma coisa de real valor. Na maioria foram mortos ainda jovens ou entraram para o caminho das pedras (entrar e sair das prisões até a morte).
Estou com 58 anos. Tudo o que me matei para conhecer e saber sozinho me valeu muito, completamente. Primeiro pela minha libertação. Eu não sairia mais, não fossem os livros. Havia me enterrado vivo com minhas próprias mãos. Depois viabilizou meios de construir uma vida aqui fora, junto a meus filhos e ao que gosto de fazer. Só não me sinto privilegiado porque sei quanto esforço e sacrifício me custou à luta que empreendi. Mas hoje sou capaz de escrever sobre o que me propuser a escrever, e essa é minha paixão maior. E, sigo tentando acrescentar, expandir, ser e fazer feliz.
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