No dia de sua reinauguração, uma parte do mundo
voltou seus olhos ao Maracanã, um dos principais templos do futebol.
Finalmente, um estádio brasileiro com cara de Europa, moderno, com assentos
numerados, gramado impecável e excelente iluminação. De todos os lugares é
possível ter uma visão completa do campo. A arquibancada ficou mais próxima, os
jogadores quase podem ouvir gritos individuais dos torcedores. Os problemas dos
altos preços das refeições e do baixo número de banheiros não comprometeram o
reencontro do povo carioca com seu maior amor. O Maracanã volta a ser uma das
cerejas do bolo da Cidade Maravilhosa.
Esse foi o discurso da mídia nos dias recentes,
repetido exaustivamente por várias reportagens. Mas, às vezes, as ausências nos
dizem mais do que o que é amplamente divulgado. Então, uma coisa em particular
me chamou a atenção. Onde estava a Mangueira? A Mangueira, uma das mais tradicionais
favelas cariocas, fica a uns 200m do estádio, contudo em pouquíssimos momentos
as imagens que retrataram o Maracanã no jogo de reinauguração incluíam a
comunidade. Os barulhentos helicópteros que sobrevoaram a região o dia todo
ficavam estrategicamente posicionados em cima da favela nos momentos em que a
TV colocava as imagens aéreas. Assim, os ângulos privilegiaram a paisagem
moderna da Tijuca e da Vila Isabel em detrimento do tradicional bairro da
Mangueira.
Da mesma forma que durante a transmissão, se
pesquisarmos no Google Imagens as palavras “Novo Maracanã” veremos que a
esmagadora maioria das imagens aéreas do estádio escondem a favela.
O jogo, transmitido a vários países, parecia que
precisava passar o recado de que o Brasil é um país sério e moderno, capaz de
realizar um evento de porte mundial. E, para conseguir convencer, precisamos
esconder aquilo que temos de mais “atrasado”, a favela.
Sintomáticas foram às várias reportagens brasileiras
que repercutiam a visão da mídia externa sobre suas impressões do novo estádio.
O Brasil moderno e competente precisava ser posto a prova. As notícias
repercutiam os altos preços do estádio, o fato de ter passado recentemente por
uma custosa reforma para o Pan-Americano e os atrasos na obra. Curiosamente, tais
fatos são menos comentados internamente.
Se esses temas encontram resistência na parcela
menos crítica da mídia, a grande soma de remoções em virtude de obras viárias é
sistematicamente ignorada. Na Rua São Francisco Xavier, há cerca de 300m do
estádio, temos várias famílias sendo removidas. Podemos ver várias faixas de
protesto com os dizeres: “Queremos trabalhar”, “Polo automotivo, orgulho da
cidade” se referindo as empresas de comércio de autopeças das quais as famílias
da região tiram seu sustento. As remoções são inevitáveis em muitas obras
públicas; o problema é que elas estão ocorrendo sem que se respeitem os
direitos dos cidadãos. Muitas vezes o traçado de novas vias é pensado
justamente para passar por comunidades, pois o preço da remoção é menor. Na
grande maioria dos casos os valores pagos pelo desalojamento e as condições de
reassentamento são insatisfatórias. Muitos blogs e trabalhos científicos nos
dão farto material sobre o tema.
O que fica claro nessa análise é que para a mídia
brasileira é mais importante relatar o que a imprensa externa achou do evento
do que produzir matérias dando voz a todos os interessados nos acontecimentos
relativos ao Novo Maracanã.
Mais que uma crítica à cobertura midiática,
questiono o sentimento de parte dos brasileiros de tentar esconder as misérias
de nossa sociedade. Ter favelas é uma coisa vergonhosa, principalmente em um
país que se orgulha de ser a sexta economia do mundo. Entretanto, se nos
envergonhamos dessa desigualdade, devemos resolver o problema, provendo a essas
áreas serviços de saneamento, regularização fundiária, escolas de qualidade,
transporte público eficiente, hospitais com atendimento digno, políticas de
segurança pública que não se baseiem na opressão, além de implementar
mecanismos que freiem a especulação imobiliária e que garantam o acesso à
moradia.
Evidente que para isso o Estado deve servir menos às
empresas e mais aos cidadãos.
Diante desse cenário, devemos refletir sobre quais são
as condições sociais que legitimam a visão de que é mais importante esconder a
favela do que dar cidadania. Dito de outra forma, devemos pensar o que faz com
que estejamos, como sociedade, mais atentos a demandas exteriores do que a de
nossos cidadãos. Enfim, qual é o motivo de se esconder as favelas? Quantas são
as violências implícitas em uma só imagem?
André Lopes de Souza é Geógrafo formado pela
UNICAMP.
souzalandre1@gmail.com
Um comentário:
Não importa o ângulo, mas eu realmente gosto do novo estádio. Eu sou da Vila Leopoldina e eu já comprei os meus ingressos para a Copa do Mundo.
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