Que perdoem os que vivem num país tão diferente que
imaginam não haver racismo no Brasil.
Que perdoem, ainda, os que diziam que a política de
cotas é que estabeleceria discriminação racial em nossas faculdades, o que os
fatos têm desmentido à exaustão.
Que perdoem, também, os complacentes de plantão que
a tudo justificam, até a entrega de estádios inacabados, sujos, com entornos
perigosos, por mais que as obras tenham estourado todos os prazos e quase
dobrado os custos.
Porque o preço médio do ingresso na reabertura do
Maracanã ficou na casa dos R$ 150!
Negros, no estádio, só os que lá foram para
trabalhar.
Dê uma olhada neste time, dos anos 80, convocado por
Telê Santana: Valdir Peres, Leandro, Oscar, Edinho e Pedrinho; Falcão, Sócrates
e Zico; Dirceu, Careca e Éder. Sabe o que ele tem de extraordinário, apesar de
jamais ter entrado em campo, embora os 11 tenham convivido na mesma
concentração para a Copa da Espanha? São todos brancos.
Fruto do momento em que a várzea perdeu para a
especulação imobiliária, do surgimento da escolinhas de futebol e, é claro, de
circunstâncias aleatórias.
Curiosamente, os maiores ídolos dos times mais
populares do eixo Rio-São Paulo eram brancos, Zico e Sócrates, filhos da classe
média.
João Saldanha se preocupava e apelava: "Não
acabem com os nossos crioulos!".
Do time que disputou a Copa de 1982, Luisinho,
Júnior, Toninho Cerezo e Serginho eram os titulares que davam o tom mestiço que
sempre caracterizou nossas seleções de Djalma Santos, Didi, Mané Garrincha,
Pelé, Zózimo, Amarildo, Jairzinho, Brito, Everaldo, Cafu, Aldair, Márcio
Santos, Mauro Silva, Mazinho, Romário, Ronaldos, Rivaldo, Roque Júnior,
Gilberto Silva, Kleberson, Roberto Carlos, para citar apenas os titulares
campeões mundiais.
Será que teremos de criar cotas também nos estádios,
para evitar que a elitização em marcha exclua ainda mais os excluídos? Se até
no velho Pacaembu, nos jogos mais cotados do Corinthians, é perceptível o
branqueamento, como será nos novos estádios da Copa-14, chamados impropriamente
de arenas?
Dia desses esta Folha fez certeiro
editorial sobre as oportunidades que a nova situação enseja para a modernização
do futebol brasileiro.
Organização, conforto, segurança e bons gramados,
tudo é essencial e há décadas se luta por isso.
Como não se deve esquecer de que o bom gestor do
negócio do futebol haverá de ser aquele profissional que, friamente, for capaz
de exacerbar a paixão.
Que perdoem as arenas, mas sem os crioulos a paixão
será absorvida pela areia virtual e movediça que as caracterizam, porque até do
ponto de vista puramente da língua elas são uma fraude, plastificadas, pasteurizadas
e higienizadas.
Juca Kfouri é formado em ciências sociais pela
USP. Com mais de 40 anos de profissão, dirigiu as revistas "Placar" e
"Playboy". Escreve às segundas, quintas e domingos na versão impressa
de "Esporte".
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