EXCLUSIVO: PARATY FASHION WEEK?
Escritores da literatura marginal-periférica sofrem ameaças
e são reprimidos na FLIP 2012, que de grande evento cultural, se transforma a
cada ano na “passarela” da poesia
por Renan
Inquérito e Rodrigo Ciríaco*
“Vendo pó! Vendo pó… Vendo pó…esia! Tem papel de 10, papel
de 15, papel de 20, com dedicatória do autor, ainda vivo.” Eram essas frases
que nós, Renan Inquérito e Rodrigo Ciríaco, gritávamos no megafone enquanto
andávamos pelas ruas de Paraty (RJ) na 10ª edição do Festival Literário de
Paraty (Flip), a maior festa literária do país. Megafone numa mão, livros na
outra, e entre curiosos e assustados íamos vendendo nossos livros no maior
estilo guerrilha, indo pra cima do povo, buscando leitor até onde não tinha.
Uns achavam engraçado, interessante, outros nem tanto.
O fato é que estávamos ali representando os escritores
independentes, periféricos desse país, escritores sem editora, que fazem das
ruas seu stand. Enquanto a Flip tinha a sua livraria oficial, a Livraria da
Vila, a gente levou um pouco da nossa livraria oficiosa, a Livraria da Vela:
Fa-Vela!
Logo de início paramos perto de uma ponte, uma via pública
na parte central do evento e começamos a recitar poesias aos que passavam. O
sarau improvisado logo foi batizado de “Sarau da Ponte” – lembranças aos
Maloqueiristas.
Tudo ia bem até o segundo dia, quando um fiscal da
Prefeitura, acompanhado de um policial nos abordou dizendo que era proibido
comercializar livros daquela maneira, estávamos ferindo a Lei Orgânica do
Município, e que era pra gente parar porque se não aquilo ia virar “uma feira”,
além do que, estávamos fazendo apologia às drogas porque dizíamos que vendíamos
PÓ.
Explicamos: “vendemos pó-esia, irmão”. Mas o policial
militar, que se identificou juntamente a fiscais da prefeitura, seguranças e organizadores
do evento, disse que o problemas estava na “interpretação” – ao que retrucamos:
Drummond, homenageado da Flip 2012, escreveu: “No meio do caminho tinha uma
pedra”, ele estava vendendo crack? (Assista ao vídeo “Biqueira Literária”)
Pra evitar um transtorno maior, decidimos circular, fomos
vender os livros em outro lugar, longe dos olhos dos fiscais, mas no outro dia,
lá estávamos na ‘bendita’ ponte, e logo eles chegaram de novo, dessa vez com
reforços, até porque estávamos armados com livros de alto calibre:
#PoucasPalavras, Te Pego Lá Fora, Pode Pá Que é Nóis que Tá, 100 Mágoas, nossos
trabalhos, considerados por eles drogas de alta teor de intoxicação e
periculosidade.
Ameaçaram apreender os livros caso não saíssemos do local e
ainda ameaçaram nos enquadrar por desacato à autoridade, disseram que não
tínhamos alvará de “funcionamento” – nós questionamos: desde quando um
escritor, detentor dos direitos autorais do seu livro, estando em uma festa
literária, com um produto cultural, em via pública precisa de “alvará” para
trabalhar?
Ainda mais se tratando de um país que tem, em todo o seu
território nacional, menos livrarias funcionando do que apenas uma única
cidade, como Buenos Aires na Argentina! Nós deveríamos receber apoio, incentivo
e não ameaças, repressão, sermos constrangidos!
Para resumir: na maior festa literária do país, a prefeitura
de Paraty (RJ), a polícia do Rio de Janeiro, os organizadores da Flip 2012,
agiram como sempre fizeram: ignorando os escritores marginais, independentes e
suas respectivas manifestações, expressões artísticas que aconteciam nas ruas,
legitimando apenas a literatura passiva, ‘official’, dos stands, das grandes
editoras, em um evento onde pagava-se R$ 40 para assistir os debates, em uma
festa financiada por uma lei de incentivo à cultura e patrocinada por um banco
que quer pintar a cidade toda de laranja.
Liberdade de expressão, direito de ir e vir: ZERO! Quer
saber? Se formos seguir a letra da lei, quem não tem alvará são eles! Eles que
não tem alvará para nos entupir apenas com livros da chamada “literatura
oficial”, com marcadores de páginas cheios de logomarcas famosas muitas vezes
financiadas com recursos públicos. Interferindo e alterando totalmente a
configuração da cidade, tombada pelo Patrimônio Histórico da Humanidade.
Será que a Flip pediu alvará de funcionamento para os índios
e quilombolas que vivem em Paraty antes mesmo da chegada do homem branco? Não
vi nenhum estande pros índios e quilombolas venderem seus artesanatos, estes
ficavam no chão, no meio da rua se quisessem. E pudessem, já que a repressão
dos fiscais, também atingia a eles, algumas vezes.
A passarela da poesia, a “Paraty Fashion Week”, parecia mais
uma verdadeira balada literária – perdoe-nos o trocadilho, Marcelino Freire -,
e nós, os escritores marginais, periféricos, independentes, fomos lá pra
preservar o patrimônio histórico do povo brasileiro, o inconformismo e a
coragem que ainda nos dá uma ponta de esperança. Mas como diriam os Racionais
MCs: “Nossos motivos pra lutar ainda são os mesmos”.
Todos os artistas de rua, poetas e escritores frequentadores
das quebradas dos saraus, da literatura marginal, independente, viva, da
cultura periférica fazem muito, muito mais para a diversidade e riqueza de
nossa cultura, do que muitos bancos privados, prefeituras vendidas e polícias
repressivas. Não precisamos de autorização nem de alvará para o nosso
funcionamento. A nossa cultura é livre. E as ruas pedem livros!
*RenanInquérito é músico, poeta, educador, geógrafo e integrante do grupo de rap
Inquérito; Rodrigo Ciríaco é educador, escritor, integrante do coletivo
cultural Os Mesquiteiros.
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