Homossexualismo
Como todo garoto de minha geração, educado com valores machistas, fui levado a descriminar homossexuais. Aos onze anos de idade fugi de casa e então fui conhecê-los realmente. Pareciam mais marginalizados que eu. O meio marginal em que convivíamos me acolhia como mais um par. A eles esmagava.
Há esse tempo homossexual era somente o elemento passivo da relação. Era aceitável usá-los. Não era nada fácil a qualquer rapaz satisfazer suas necessidades sexuais. As garotas casavam virgens.
Havia um imenso quadrilátero no centro de São Paulo, chamado de “Boca do Lixo”, onde a prostituição imperava. As ruas, as casas, os bares e até prédios inteiros cheios de mulheres que se vendiam, e barato. Muitas delas coitadas que haviam sido seduzidas. Era vergonha uma moça solteira sem virgindade na família. Aquelas que tinham família bem de vida, eram mandadas para colégios internos. As que não tinham: a zona do meretrício. Os “fregueses” davam trombada nas esquinas devorando as garotas com os olhos.
Àqueles que não possuíam dinheiro sobrava ir para a Av. Ipiranga ou Praça da República. Lá havia as “meninas de trança”. Passeavam por ali até serem abordados por algum homossexual. O elemento passivo pagava pelos “favores” do ativo. Os rapazes vinham dos bairros para “pegar” “veado”. Era meio de vida. As pessoas ainda estavam dentro de seus armários.
A sociedade de então era um fundo onde se organizava um mosaico de pessoas que procuravam seus iguais. As idéias de diversidade e a multiplicidade sexual começam bem ai, no fim dos anos 60 e início dos anos 70.
Quando cheguei na prisão, a “bicha” era discriminada, tratada com subumano, mas aceito como componente. Não havia visita íntima. Era a única saída. Os mais afoitos pegavam na forçada rapazes novos que chegavam. Estupros ocorriam diariamente. Era preciso virar bicho para não ser vítima de bicho. Cheguei ao cúmulo de matar para não ser estuprado. Quase perdi a vida para defender meu corpo.
As “meninas” foram as primeiras pessoas que me ajudaram quando garoto perdido na cidade. Vestiram e alimentaram muitas vezes. Claro, queriam a contrapartida. Mas não me oprimiam. Tentavam seduzir e me favoreciam bastante. Há esse tempo já havia me tornado um animalzinho mau e ingrato. Eu os roubei e usei quanto pude. Conhecia suas fragilidades. Tornaram-se presas fáceis para o predador que me tornei.
Hoje na prisão, é homossexual quem quer. Ninguém é obrigado. Mesmo por isso existe discriminação. A vida nas prisões exige firmeza de atitudes e combatividade. O preconceito é vinculado à fragilidade que se pressupõe existente no homossexual. Quem cede, para o preso, é fraco. Portanto, não confiável. Eles não podem participar de nenhuma decisão, nenhum debate e nem saber de nada. Cumprem duas prisões. Condenados que são por seus crimes e agora pelas suas definições sexuais.
Por conta dos preconceitos prisionais, eles são obrigados a viver isolados. Seus pratos, copos e colheres são separados. Não podem fumar do mesmo cigarro ou do baseado que os outros. Isso quando não são obrigados a viver em setor isolado chamado de “seguro de vida”. Claro que há mais respeito atualmente e não é mais possível abusar deles fisicamente. Covardias e patifarias grosseiras não são mais aceitáveis na prisão.
O preconceito de agora atinge os parceiros ativos. Também eles estão sendo descriminados e têm suas tralhas separadas. Esse disfarce de “ativo” ou “passivo” vai desaparecendo. Homossexual é a pessoa que se define, sexualmente, por gostar de outras pessoas de seu mesmo sexo. E, pelo que estou sabendo, eles assumem e levam vida de casal com seus parceiros numa boa. Já vi companheiros abandonarem mãe, mulher e filhos, por causa de um amor na prisão.
Ao iniciar minha caminhada no mundo dos livros, já conhecia bastante sobre homossexuais. E ao ler o livro “As Meninas” de Lígia Fagundes Telles, encontrei a definição que me orientou para sempre. Ela afirma, pela boca de um personagem, que nesse mundo conturbado as relações amorosas são tão complexas e difíceis, que se tornaram quase impossível. Então, quando duas pessoas se querem de verdade, o que menos importa é o sexo com que cada uma delas nasceu.
Creio devemos aplaudir as pessoas que se amam e torcer para que nós também tenhamos essa sorte. Que se danem os preconceitos; eles ficarão e a história há de continuar sua evolução e progresso.
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